Crítica: "A solidão dos números primos" (2010)
“A Solidão dos Números Primos” não é um filme fácil. Durante cerca de duas horas o espectador assiste a um entrelaçar que parece infinito de analepses e prolepses que no fim se unem e desenham a narrativa típica de um drama europeu. É um filme que fala sem falar. Fala da solidão. Fala do amor. Fala da saudade. Fala do arrependimento. Fala do remorso. Da raiva. Da obsessão. Da perda de inocência. É um filme que diz muito, mesmo sendo em grande parte mudo. A sua origem italiana não fica camuflada. Nem o drama eminente que se estende ao longo dos 118 minutos.
O título por si é deveras intrigante, mas a obra não se fica por aí no que toca a esse adjectivo. Temos um conjunto de personagens que nos perturbam ou enternecem, temos um conjunto de histórias que nos chegam a confundir, porém depressa se fundem. É um filme adaptado de um best seller, que, no entanto, não parece ter sido uma missão fácil no que toca à sua adaptação. É uma obra que nos causa estranheza, que nos invade com uma simbiose de sensações um pouco antagónicas. Eleva ou reduz o espectador a pouco mais que um autista que observa e nada pode fazer, porque é uma história de difícil acesso e que não sugere interacção ou compreensão imediata por parte de quem assiste.
“A Solidão dos Números Primos” tem momentos impressionantes, mas que de algum modo se perdem pelo ritmo extremamente lento e pela falta de coesão das suas histórias. E é aí que erra. Ou que não cumpre na perfeição. Não consegue assim pagar as suas obrigações e acaba por perder um pouco a intensidade, que potencialmente a história teria.
Todavia, tem aspectos brilhantes. Desde a alguns planos belíssimos até à prestação dos actores. Tem interpretações verdadeiramente admiráveis, pois não é fácil transmitir a sensação de vazio e de espectro, a que as personagens se parecem propor. De ressalvar, além das interpretações, é a excelente colectânea de músicas reunidas. Algumas já conhecidas, outras nem tanto, mas que constroem a atmosfera pretendida pelo realizador Costanzo.
Em suma, o filme trata a história, que vai desde a infância à idade adulta, de duas pessoas do sexo oposto que parecem perdidos no mundo; os verdadeiros seres inadaptados. Entre traumas, desgraças e tristeza, acabam, à semelhança dos números primos, por se encontrarem, mas sem nunca, à excepção da cena final, de se tocarem.
Por muito que até possa ter apreciado alguns detalhes, "A Solidão dos Números Primos" acaba por perder-se um pouco no seu próprio propósito. Embora seja um filme com momentos únicos, não consegue alcançar o espectador, acabando por o remeter durante a sua longa duração a uma simples testemunha que se vê invadido pela sensação de estranheza e degustação.
Critica muito bem feita e concordo.
ResponderEliminarAinda há uns dias fiz uns apontamentos a este filme, que estão em sintonia até:
Um filme intrigante, que nos desafia a desembrulhar uma história sempre contada não linear, em avanços e recuos, de Alice e Matti, duas pessoas à margem, incompreendidos, esquizofrénicos e cuja solidão mesmo assim abala estas duas pessoas que misteriosamente se sentem ligadas e se compreendem desde os tempos da escola. Daí serem como os numeros primos... casos especiais.
Um filme de emoções reprimidas, que tenta apresentar a solidão (sem o conseguir na verdade).
Eu gostei das duas personagens... ambos com traumas e inadaptados, ela esquece-se de comer (esquelética) e ele é um génio mas fechado dentro dele e bloqueado socialmente. E precisam um do outro... um amor muito especial.
Achei intrigante o suficiente e ao mesmo tempo interessante de seguir... mas contudo, falta-lhe qualquer coisa mais ao filme para ser mais que uma mera curiosidade sobre um caso peculiar...
Well done!