Crítica: «2 Dias em Nova Iorque»
"2 Dias em Nova Iorque" mostra que é possível repetir-se a mesma receita, sem que por isso o resultado culmine num prato já saturado e pouco original. É assim que vejo este filme servido por Julie Delpy: como um prato delicioso integrado numa refeição que começou há meia década, com "2 Dias em Paris", e que não arrefeceu nem se estragou, continuando a ser bem-servida.
Foi já há 5
anos com o filme franco-alemão, “2 Dias em Paris”, que a realizadora chamou à
atenção do público e crítica. Este apresentou-se como uma lufada de ar fresco
no mundo de Hollywood, no qual poucas vezes vemos humor de qualidade. Na
altura, o estilo e humor de Delpy impressionaram muitos críticos e foram
comparados aos do grande génio da comicidade Woody Allen. Inteligente.
Sarcástico. Neurótico. Realista. Tragicómico. São os quatro pontos base que
tecem a ponte entre os dois realizadores, para não falar na tendência de
integrarem o cast dos seus próprios filmes, serem realizadores e argumentistas,
de terem na base das suas histórias o tema relações e de escolherem como plano
de fundo diferentes cidades do mundo. E se acho que esta equiparação é justa?
Penso que existe realmente pontos de contacto entre os dois realizadores, mas o
facto de Julie Delpy ser mulher e europeia já lhe confere uns ingredientes
bastante distintivos para não ficar apenas na sombra de outro excelente
profissional da área e ser dona do seu próprio cinema.
Em «2 Dias em
Nova Iorque» a francesa voltou a reunir grande parte do elenco (que continua a
ser soberbo) que deu corpo à sua família no primeiro filme, o que favoreceu a
sensação de familiaridade e continuidade da nova história. Além de que nos é
explicada de forma natural a ausência de algumas personagens, seja pela morte
ou separação, conferindo um tom lógico à narrativa; o que poucas vezes acontece
originando plot holes. Nesta sequela,
são ainda adicionadas novas personagens: um novo namorado, os seus parentes e
filhos. Chris Rock (Mingus) é uma delas e faz par romântico com a
actriz-realizadora Delpy (Marion). A dupla Delpy-Rock está a altura, não destoa
e faz-nos sentir vontade de os ver a ter o “tal final feliz”. Ainda sobre Rock,
é de enfatizar que este acaba por surpreender ao conseguir estar apto para o
respectivo papel, distanciando-se da ideia da personagem de filme de paródia em
que habitualmente o vimos. Albert Delpy, pai da realizadora na vida real e no
filme, continua a integrar o elenco e a fazer um papel absolutamente hilariante
– entre o perverso e o adorável.
Entre «Dois
dias em Paris» e «Dois dias em Nova Iorque» são perceptíveis algumas
semelhanças com a dupla de filmes pela qual Delpy ficou conhecida no mundo do
cinema - «Depois do Amanhecer» e «Depois do Anoitecer». Seja pela semelhança ao
se focar nos problemas das relações e choques culturais ou da passagem de anos
entre filmes que dão um tom de veracidade à história, é impossível não se
pensar nas duas obras de Richard Liklater quando se vê um produto de e com a
realizadora-actriz. O que não é por si negativo, muito pelo contrário, é sinal
de que estamos perante uma obra bem interessante e distante do que se vê
geralmente nas salas de cinema.
Os amores e
desamores, o cansaço, a rotina, os filhos, o avanço da idade e a coragem de
procurar uma nova oportunidade de se ser feliz, deixando para trás o passado,
são algumas das características desta recente comédia. Adicionando ainda um
momento surrealista sobre a venda da alma e o conflito, muito próprio da
sociedade, entre o acreditar/cepticismo, que remete à incerteza do ser humano. Esta
película extravasa a ideia de criação de personagens-tipo, criando, à
semelhança de “2 Dias em Paris”, pessoas únicas, mas com problemas subjacentes
às relações modernas e choques culturais. Posso dizer que esta sequela me
deixou satisfeitíssima e é dona de um humor peculiar. Humor esse que nos faz
soltar gargalhadas, que não é politicamente correcto, tecendo críticas às
práticas e estadistas americanos e franceses, que não tem medo de dizer palavrões
por parecer menos erudito, que é inteligente e deleitoso q.b. para levar o
público a querer ver mais e mais filmes assinados por Julie Delpy.
- O melhor: O humor inteligente e pouco regular de Delpy, afastando-se das personagens-tipo e criando personagens singulares e cativantes com as quais mesmo assim conseguimos criar empatia. E ainda um cameo surpresa de um excelente actor.
- O pior: A voz-off usada para explanar momentos de reflexões e morais, as quais resultariam melhor de um modo menos explícito recorrendo a imagens ou situações concretas conferindo assim ao espectador um papel mais activo.
Também podem ver esta crítica no site C7nema com o qual colaboro actualmente.
Gosto da imagem da sauna, lol. Ainda vou ver isto, o 1º deu para umas gargalhadas e gosto da Julie Delpy.
ResponderEliminarConcordo com o essencial. Obrigado.
ResponderEliminarNão queria fazer nenhum spoiler, mas o cameo daquele actor (G.) também teve pinta :) O gajo é grande.
ResponderEliminarNarrador : Força :). Vale bastante a pena.
ResponderEliminarNuno: Ahah agora fico à espera da tua.
Carlos:Sim, acho que estás a falar do cameo que falo no "melhor do filme"...Esteve muito bem mesmo e eu não estava minimamente à espera.