Crítica | The Wolf of Wall Street (2013), de Martin Scorsese

22:33:00 Unknown 1 Comments


The Wolf of Wall Street é definitivamente uma das melhores obras do realizador Martin Scorsese, para não falar de uma das melhores a figurar no plantel dos nomeados para os Oscares 2013. De Taxi Driver a Goodfellas, passando por The Aviator, Gangs of New York, Kundun, Casino, The Age of Innocence, Cape Fear, The Last Temptation of Christ, The Color of Money, After Hours, The King of Comedy", Raging Bul, New York, New York, Alice Doesn't Live Here Anymore, Mean Streets, o cineasta americo-italiano continua a brindar-nos com grandes películas. De ressalvar, é a passagem, cada vez mais evidente, ou se lhe quisermos chamar de forma mais terna, 'adopção', de Robert De Niro, como protagonista dos seus filmes, para Leonardo Dicaprio, uma vez que o 'Wolfie' marca a celebração do quinto filme da dupla. Foi em Gangs of New York que Dicaprio apareceu pela primeira vez num dos seus filmes: Bastante prematuro, mas igualmente talentoso, embora ainda na sombra da sua beleza juvenil. Depois vimos o mesmo em The Aviator, com uma excelente personagem biográfica (Howard Hughes), que lhe mereceu a nomeação a um Oscar de melhor actor (sendo pessoalmente uma das minhas performances preferidas). Mais tarde, seguiu-se o remake The Departed e por fim Shutter Island.

Todos já vimos Leonardo Dicaprio em vários registos, mas, creio, que a personagem no novo filme de Martin Scorsese lhe assenta que nem uma luva. Digamos que, à medida que visionamos o filme, ficamos hipnotizados com a sua performance: entre a repulsa, admiração e compaixão, criamos ali um alter ego; identifica-mo-nos com um quase 'vilão' que tem algo de bom, como cada um de nós, desejamos - por mais vergonhoso que seja admiti-lo - viver tudo aquilo, mergulhando na adrenalina que nos é transmitida, frame a frame, até ao fim do filme. É difícil encontrar a receita concreta que deu origem a uma personagem tão rica e entusiasmante. Lembra-mo-nos de várias 'personas' já criadas no mundo do cinema, ou nos filmes do realizador, mas nenhuma como Jordan Belfort (interpretada por Dicaprio). Talvez a explicação resida no facto de ser baseada numa pessoa real, e dessa mesmo ter existido, como foi o caso da personagem de Howard Hughes, desempenhado anos antes pelo actor. Antes de ver o filme, Joaquin Phoenix era o meu escolhido, devido à prestação em Her, para vencer o Oscar de Melhor Actor. Porém, depois do filme sobre a Bolsa mais famosa do mundo, passou a ser Leonardo Dicaprio, sem pensar duas vezes, o eleito (nem que seja por causa desta cena http://gifrific.com/wp-content/uploads/2013/08/Leonardo-DiCaprio-Dancing-The-Wolf-of-Wall-Street.gif - estou a brincar, claro). Certamente, não levará a estátua dourada para casa - isso já ele espera, como tantas outras vezes -, mas não deixa de ser vergonhoso evidenciar como a Academia deixa em branco, mais uma vez, um papel tão poderoso e peculiar, para não falar de todos os outros já desempenhados pelo mesmo actor no passado; comecemos por What's Eating Gilbert Grape, onde ficou de lado com a nomeação para melhor actor secundário.

Mesmo que longo, The Wolf of Wall Street não nos aborrece, nem por um mero segundo. Somos engolidos por uma história que tem uma evolução e ritmo frenético, a juntar ao ecletismo de géneros que extravasa o espectador. Rimos, bastante. Suspiramos, sentimos tensão. Receio. Vestimos a pele do personagem; criamos empatia. Compreendemos o mundo entre a corrupção e companheirismo de 'Wall Street', de NY. Temos ali algo vivo e brilhante, mesmo que não perfeito, que certamente merece um lugar entre os unicórnios da história do cinema, e não será, espero eu, esquecido como a maioria dos pseudo-nomeados ao Oscar, que nem o estatuto de filme de culto merecerão.

Além da personagem/prestação de Dicaprio, já aqui comentada, temos um rol de actores que nos surpreendem ou corroboram a ideia que podíamos ter deles. Matthew McConaughey tem um papel breve, mas inesquecível. Jonah Hill reitera a sua versatilidade com este filme. Rob Reiner, mais lembrado na tv, salta para a tela. E Margot Robbie, nada mal, consegue encaixar plenamente no papel, apesar da presença feminina no filme em geral ser diminuta.

The Wolf of Wall Street não é oco. Levitamos entre dois mundos: o do trabalho e o pessoal. Temos uma história e personagem completas. Nos mesmos mergulhamos num ambiente de drogas, crime, prostitutas, excessos, competição, onde vale tudo, onde a equação dos valores é constante, onde o síndrome de Deus também. Belfort cria uma família, uma legião. E ao contrário da maioria dos líderes, não usa a repressão, usa o culto ao trabalho e dinheiro, sim, mas serve-se astutamente da sua história de vida como exemplo e de 'prémios' muito motivadores. Nada mau, afirmo, para um filme que surgiu das memórias de um corrector de bolsa, que basicamente expôs as histórias das fraudes executadas laboralmente e da sua vida privada, entre o período do final dos anos 80 até aos anos 90. O carácter sociológico e histórico da obra é também um dos trunfos da narrativa. A sexta-feira negra é um dos episódios presentes, assim como algumas práticas que começaram a ser comuns, como a lavagem de dinheiro para o estrangeiro e a sua investigação por parte do FBI. 

Outro dos pontos a favor do filme, é não ter uma história previsível, apesar de ser difícil pensar no que vem a seguir dada a energia de cada cena, que nos absorve por inteiro. O princípio, meio e fim estão sempre repletos de novos informações que não contrariam as restantes, anteriormente apresentadas ao longo de quase três horas. Para não falar das cenas de sexo bem ousadas, com direito a fetiche, consumo de estupefacientes - imaginem o cigarro substituído por drogas na nouvelle vague - e de tudo parecer adequadamente bem escolhido para transmitir a devida sensação/emoção/reacção ao espectador.

Assim como em Wall Street, tudo tem um preço: diz-nos o filme. Aprendemos ou relembramos como a sociedade pode ser barata. Como o jogo de interesses é algo comum e inevitável, num mundo onde tudo parece estar à venda, até a dignidade. Idolatramos pessoas, as quais não conhecemos, as quais nunca saberemos como chegaram ali, a não ser pelas suas palavras pouco neutras. Depara-mo-nos com uma sociedade onde ser bem sucedido é o mais importante, onde todos se acham especiais, talentosos, não olhando a meios para atingir o 'pódio', onde há muito nos despedimos da moral. Mas quem diz que isso não é divertido?...Atirem a primeira pedra, por favor.

Nesta comédia negra, rápida, promíscuo e deliciosa, Scorsese torna-se um ilusionista. Com planos diversificados, ousados e bem aplicados (ao contrário de um certo realizador cujo filme também está na corrida para os Oscares, sim, American Hustle), o realizador de sobrolhos carregados deixa-nos viciados naquele impressionante espectáculo de câmaras, cores e performances dos actores. Temos um Leonardo que nos agarra com unhas e dentes, um lobo nato da comédia negra - já iniciado em Catch Me If You Can, para os mais esquecidos -, que finalmente, não deixa dúvidas, e se apodera de todos nós.

Nota: 9/10

1 comentário:

  1. Excelente! Me surpreendi positivamente, o filme é fantástico, digno da parceria DiCaprio e Scorsese!!!

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