Crítica: “Wiener-Dog” e a busca existencialista da humanidade
Todd Solondz mostra mais uma vez, depois do memorável “Happiness”, que não tem filtros. O realizador brinda-nos com “Wiener-Dog”, um filme que confronta a audiência com quatro peculiares histórias que têm à primeira vista apenas em comum um cão (na verdade cadela) de raça “salsicha”, bem como trivialidades contemporâneas. Essas que deixam o espetador desconfortável, entre risos nervosos e curiosidade, com twists que nos atingem como relâmpagos, este é um filme cru, que não pede desculpas por não ir ao encontro do final feliz cliché da restante indústria cinematográfica. Solondz apresenta-nos o mundo real – ou pelo menos como ele o vê. O cão salsicha serve de metáfora transversal para demonstrar como o ser humano é incapaz de manter um compromisso contínuo, sendo este passado de dono para dono e mostrando a futilidade humana e desapego emocional quando se afigura momentos mais difíceis. A jornada mostra-nos como o homem tem a necessidade de tentar algo que traga algum significado à sua simples existência: como arranja diversas razões para sofrer enquanto está vivo, ser existencialista, egoísta, não conseguir ser como a Wiener-Dog e apenas “ser”; Sem arrependimentos, medo, vícios, stress, interesses...Com uma boa dose de humor negro, percebemos a ironia do homem, ser que tem a capacidade de decidir o seu destino, ter imensa dificuldade de o fazer, ao passo que a cadela resigna-se ao seu próprio fado, sem resistência, sem dor, porque “tudo tem um início e um fim” - uma das frases marcantes do filme que dá ainda mais poder à cena final.
Solondz criou um filme com diversos layers, rebuscando nos seus anteriores filmes personagens agora em fase adulta, mas desta vez interpretadas por outros atores. É interessante a opção, da necessidade de um desfecho ao encontrar ou fazer algo que as faça sentir detentoras do seu próprio destino, em vez de esperar que as coisas aconteçam por si. As histórias apresentadas, em linhas gerais, remetem em primeiro a um casal (July Delpy e Tracy Letts), com o seu primogénito (a revelação de Keaton Nigel Cooke), claramente pertencente à classe alta, com uma casa moderna, carros topo de gama, sem objetos pessoais que contrastem com a decoração, onde a cadela é o presente - aqui percebemos como o casal é materialista e superficial, tratando o animal não como um ser vivo, mas como uma “coisa” - oferecido à criança depois desta estar em recuperação de uma doença, porém não a deixando brincar com ela, dando explicações ridículas sobre a necessidade do homem controlar o cão, de definir o seu destino, “porque a natureza não se interessa com os animais”. Evidenciamos ainda a falta de capacidade sensitiva do casal, que assim que percebe as dificuldades em lidar com o animal, desiste, e deixa-o no veterinário para ser abatido, isto sem antes o realizador nos confrontar com uma cena sequencial de uns bons minutos de um plano de diarreia, como uma espécie de afronta, mostrando-nos que não podemos fugir ao lado menos bom da vida. A segunda história é encadeada diretamente com a primeira narrativa, pronta a ser abatida a Wiener é resgatada pela assistente veterinária (Greta Gerwig), que foge com ela nos braços, vemos a sua casa que nos dá a entender que a nova dona mal tem capacidade para tomar conta de si, pois vive à espera de algo significativo, até que encontra uma antiga paixão (Kieran Culkin), essa que demonstra também grande desapego emocional – posteriormente explicado. Os novos donos da Wiener aparecem apenas por uns segundos, um casal com trissomia 21, contudo percebemos um salto temporal na história e de repente a personagem interpretada por Danny DeVito é o seu novo dono. Não sabemos a Wiener-Dog foi parar às suas mãos. Saltamos de personagens na casa dos 30 e 40 com uma vida a ser construída para uma personagem na casa dos 60-70 anos que outrora foi um bem-sucedido guionista, numa fase da vida em que se algo não acontecer agora, nunca mais acontecerá: é a sua última oportunidade! De forma inteligente, o realizador deixa-nos respirar de alívio por breves segundos, com uma cena sequencial cómica da cadela salsicha a andar pelo oeste, entre outros lugares absurdos, no estilo de um filme western spaghetti; engana-nos. Após isto, assistimos à perda de paixão pela vida, à desilusão, ao egoísmo e frustração, que culminam na tentativa da personagem de DeVito em sacrificar o único ser que o acompanhava fielmente. Por fim, a sua última dona, uma avó (Ellen Burstyn, conhecida pela sua personagem arrebatadora em “Requiem for a Dream”), que vive apenas acompanhada por uma empregada, é visitada pela sua neta que mais uma vez a foi ver para pedir dinheiro. Nesta cena, somos confrontados com a mortalidade. Percebemos a angustia do ser humano em recear não ter vivido a vida certa, em negar que o seu tempo chegou ao fim, mesmo que esteja miserável, a sobreviver em vez de viver. A forma do realizador mostrar isso é deliciosa e perversa, deixando o público sem respirar, com brutalidade e um olhar niilista sobre a vida, indicando que apenas existem duas coisas certas para todos os seres: o nascer e o morrer.
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