Crítica: «Birdman» ou «A Inesperada Virtude da Ignorância»
«Birdman» ou «A Inesperada Virtude da Ignorância» é uma comédia negra que confunde a realidade
com a fantasia ao mesmo tempo que incentiva a introspeção do público por
intermédio essencialmente da personagem principal, desempenhada por Michael Keaton. À semelhança de outros filmes dirigidos por Alejandro
González Iñárritu - falo de «Amor Perro», «21 Grams e «Babel», - este
apresenta-nos uma história complexa e que tem a intenção de chegar ao público:
não só à sua mente, mas também aos seus desejos mais profundos, ao seu coração.
No entanto, em comparação com os anteriores filmes do cineasta, este novo tem
uma particularidade bastante diferente. «Birdman» é uma comédia; o que marca
uma reviravolta na carreira do seu realizar. Iñárritu utiliza assim uma crítica
afiada resultante de um olhar sob a indústria americana do entertenimento – do cinema
ao teatro – são analisadas as experiências, angústias e ânsias de um conjunto
de pessoas que dão assim lugar a uma história-tipo bem bizarra.
O filme encabeçado por Keaton apresenta um retrato cínico e
ao mesmo tempo muito legitimista e objetivo, tanto do mundo do espetáculo como do
Homem. Percebemos o distanciamento de quem conta a história para com as
personagens, mas ao mesmo tempo, enquanto público, sentimos que estamos no meio
da mesma, que a acompanhamos num papel de voyers. Talvez tenha sido essa a
intenção do realizador, tornar o público parte integrante do filme, como se não
existisse aquela divisão natural entre observadores e participantes, tal como
no teatro, o que é curioso uma vez que a narrativa tem em grande parte lugar
num. Ao mesmo tempo, a sensação de «Birdman» ter sido gravado num só take, num
plano sequência que dura cerca de duas horas, quase sem cortes, de forma a
parecer que o tempo que passa no filme não é mais que um dia – como se de uma
peça de teatro se tratasse. Mais uma vez, uma escolha irónica, mas inteligente
por parte do realizador.
Em «Birdman» a personagem principal é um ex-ator de cinema
que vários anos antes atingiu o seu auge popular, quando desempenhou três filmes
do super-herói de nome homónimo ao filme. Contudo, tomou a decisão de recusar a
terceira sequela e optou por enveredrar por uma carreira que fosse mais
intelectual, talvez para provar o seu valor no meio... No entanto, depois dessa
recusa a sua carreira e vida pessoal começaram a ruir, pouco a pouco. Algo
irónico, não? Uma vez que a escolha para o papel foi um ator que passou por
algo muito semelhante, o próprio Michael Keaton que esteve vários anos longe do
estrelato e sem desempenhar um grande filme após interpretar a personagem de
Batman. Aqui está mais um prova de que «Birdman» é uma obra ousada e
provocadora, que joga com o mundo real e a ficçao tornando-os num só: no sonho
americano.
Mesmo a escolha do próprio super-herói parece uma alegoria a
um conjunto de ideias inerentes às esperanças e medos que todos temos de não
conseguirmos ser bem sucedidos, de nos acharmos especiais, diferentes, de um
dia podermos ser finalmente livres e voar acima detudo e todos.
A história divide-se em dois níveis distintos: um mais lato relativo
ao protagonista e à sua tentativa de levantar a carreira e outro às diferentes
personagens e preocupações egoistas de cada uma. Vejamos, Riggan (Michael
Keaton) está obcecado com o seu sucesso e auto-realização descurando do mundo
que o envolve. Mike (Edward Norton) não consegue lidar com o mundo real, apenas
com a vida em palco. Lesley (Naomi Watts) conjuga as preocupações com o
relacionamento atual e o difícil caminho até à Broadway. Jake (Zack Galifianakis) é um agente
calculista que apenas pensa no lucro. Sam (Emma Stone) é a filha carente e
revoltada que sofre com a ausência-presente do pai (Riggan).
Todas as
personagens secundárias estão fechadas numa busca pessoal, que combina
realidade e ilusão, de algo que lhes parece de direito, enquanto são envolvidas
indiretamente pelo drama que move o protagonista. A personagem (da personagem) de Birdman
manifesta-se como um alter-ego que assombra a personagem de Keaton, como se de
uma consciência se tratasse, questionando as suas decisões e desejos não
realizados, ao longo de todo o filme.
A câmara corre, literalmente, atrás dos personagens, de modo
a não perder nenhum acontecimento relevante. Pelos corredores da Broadway, cada
um dos elementos é espiado pela objetiva, numa verdadeira aula de narrativa
dirigida por Iñárritu. Certamente a escolha por uma realização e montagem
destemidas fez com que «Birdman» se destacasse da concocrrencia, elevando-se e
impedindo-o de ser um filme menor. A versatilidade e diversidade do cast é
também um ponto positivo: temos várias idades, várias escolas e competências
num só set. Todos os atores têm
experiência comprovada e refletem isso para o grande ecrã numa interessante
amálgama que demonstra os podres do mundo atual, em que a fama é tida como o
objetivo de muitos. Em que o caminho para alcançá-la é encurtado através de todo
o tipo de ações mais radicais (veja-se o exemplo do caso do protagonista que dá
um tiro na própria cabeça em pleno palco), em que as capacidades e inteligência
dão lugar à sorte, influência e vazio moral. Há também a analogia com os filmes
de super-heróis, demonstrando que, tal como a humanidade, o cinema encontra-se
numa era constante de genocidio cultural, de inocuicidade em que o espetáculo
está acima de qualquer valor. A par disto, percebemos como algo ridículo pode ser
encarado como arte, caso um agente cultural assim o diga, é o exemplo da
crítica que apelida a peça de teatro de Riggan como uma obra de “super- realismo”.
«Birdman» ou «Inesperada Virtude da Ignorância» deixa o fim
em aberto...Ou não. Provalvemente a intenção é mesmo essa de cada um dos
espetadores conceber a sua interpretação. A meu ver existem pelo menos duas.
Uma passa pelo facto de Riggan após receber a boa nova de que a sua peça foi um
sucesso achar que não existe mais nada que o prenda ao mundo real e como tal o
salto simboliza que finalmente está livre e que a filha o conseguiu ver pela
última vez finalmente como ele era: um herói.
Nessa última cena, o realizador
mistura mais uma vez a realidade com o imaginário, confundindo o público, mas
também o iludindo, pois estamos mais uma vez na cabeça do protagonista vendo
aquilo que ele deseja e não o que realmente acontece. A outra interpretação e
que provavelmente faz mais sentido é a de que Riggan morre em palco após dar um
tiro na cabeça. Por quê? Bem, se repararem ao longo de todo o filme (que se
passa em três dias) parece não haver cortes, nem passagens de cena, pelo menos
muito bruscas ao ponto do olho humano as detetar. Todavia, a primeira vez que acontece um corte
visível e explícito é exatamente depois de Riggan se ter sucidado em palco.
Isso simboliza que a vida de Riggan acabou e que as restantes cenas que se
seguem não são reais, são simbólicas, fruto possivelmente da imaginação do
personagem que nos mostra o que gostaria que tivesse acontecido em alternativa
à sua morte. Se virem com atenção a cena do hospital é a única em que a câmera
deixa de ser intrusiva, não segue mais as personagens e tudo está calmo e
parece perfeito, demasiado: Riggan recebe a crítica da sua vida, a ex-mulher e
filha estão finalmente de bem com ele, este recebe um nariz novo logo na noite
em que dá entrada no hospital e tira o curativo no dia seguinte, a filha dá-lhe
as flores corretas - as quais ele não consegue cheirar (quando sonhamos ou
pensamos não sentimos cheiros) -, ouvimos uma máquina mas não a vemos no quarto
e até os paparazi parecem ter voltado a importar-se com ele, além disso a
janela de um hospital abre-se...
Suspeito, não? Sim, porque na verdade tudo
isto nunca aconteceu, tratando-se apenas de uma última visão/sonho de Riggan
antes de se matar em palco.
A melhor critica que li ao/sobre o filme.
ResponderEliminarObrigada, João! : )
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