II Parte - Estudo de Caso: Blogosfera de Cinema
3.2.
Apresentação de Resultados
3.2.1. A importância da blogosfera de cinema
Para este estudo de caso, em particular, importa estudar a blogosfera
de cinema. Uma comunidade que começou sem caras, quase anónima, mas que em
poucos anos cresceu, mudou e se uniu, como explicam aqueles que a integram, os cinebloggers. A sua crescente
profissionalização veio converter estes espaços inicialmente pessoais em
espaços mais profissionais, tal como aconteceu com alguns blogues dedicados a
outras temáticas. “A literatura, o cinema, o teatro, a
música e as artes em geral, têm encontrado na blogosfera importantes espaços de
divulgação e de crítica” (Rodrigues, 2006:126).
Na blogosfera de cinema, depois da sua maturação, os bloggers começaram a agir como uma
comunidade: passaram a interagir entre si, reunindo-se em festivais,
visionamentos de filmes e numa cerimónia oficial para homenagear os seus pares.
Têm conseguido ainda angariar mais leitores do que os media impressos especializados na sétima arte, que se têm
extinguido nos últimos anos. Com estas mudanças, ao contrário do que tende a
acontecer na blogosfera generalista, os blogues de cinema passaram de
complementos aos media tradicionais para
alternativas aos mesmos. Desta forma, torna-se crucial perceber exactamente
qual o papel dos cineblogues nacionais e como eles evoluíram desde o seu
surgimento até a actualidade. Como veremos ao longo do estudo, estes têm um
papel cada vez mais reconhecido pelos seus pares e entidades oficiais da área
do cinema – como produtoras, directores de festivais e distribuidoras. O que é
um fenómeno intrínseco ao assunto que trata - o cinema -, visto não se
evidenciar o mesmo noutras esferas da blogosfera, pelo menos com a mesma
intensidade. Por isso, nas páginas que se seguem serão apresentados e
discutidos os resultados desta investigação com o objectivo de chegar a algumas
conclusões sobre o assunto em estudo.
3.2.2.
O despertar da
blogosfera de cinema
Foi em 2003, que a blogosfera de cinema deu os seus primeiros passos.
De acordo com os relatos dos próprios bloggers,
por ser um fenómeno ainda exíguo, não era comum estes conhecerem-se
pessoalmente. Quem o recorda é JB Martins, autor do Cineblog, o blogger de
cinema português mais antigo ainda em actividade, desde 2003: “Éramos três. O Cineblog, o Antestreia [do
Nuno Reis] e o Arquivos de um Cinéfilo [do Vasco Martins]. E pouco tempo depois
surgiu o Hollywood [do Miguel Pereira] e o CinemaXunga [do Pedro Cinemaxunga -
pseudónimo].”
Ao mesmo tempo que surgiam novos blogues, pouco a pouco, os bloggers foram-se conhecendo,
adicionando na blogroll – lista de links de referência presente em cada
blogue – e interagindo. De desconhecidos passaram a companheiros, e rapidamente
a blogosfera da especialidade foi crescendo e unindo-se, de acordo com os
relatos dos vários bloggers
entrevistados.
Em 2004, dois bloggers, JB
Martins e Miguel Lourenço, tiveram a ideia de criar um projecto pioneiro, que
daria um tom mais sério ao trabalho efectuado pela comunidade, uma espécie de
academia – o ABCine. Mas esta não
teve os resultados esperados. “Na altura
a vida dos blogues era efémera e a identidade dos seus autores ainda era pouco
conhecida”, explica o autor do Cineblog.
A par da academia, muitas foram as parcerias intrabloggers efectuadas nesses primeiros anos. O dinamismo tomou
conta deste fenómeno nos seus primórdios. Como defendem muitos especialistas de
novos media, nos primeiros anos de
2000, os blogues atingiram uma fasquia de adesão e desenvolvimento admiráveis.
Numa apresentação preparada para o IV
Encontro de bloggers[1], o jornalista especializado
em novos media, Paulo Querido, fala
exactamente desse fenómeno de crescimento e de mudança pelo qual a blogosfera
passou (Querido, 2008). Este destaca o período que vai de 2003 a 2007 como uma
altura em que a blogosfera se caracterizava por uma grande “energia, inovação, entusiasmo,
espírito pioneiro, sentido de comunidade e interferência na agenda dos media” (Querido, 2008:18). Verificamos já
aqui um dos primeiros sinais que indicam a aproximação do papel dos blogues ao
dos media, mesmo que nesta altura os
blogues de cinema ainda não fossem vistos de um ponto de vista profissional,
como acontece actualmente. Contudo, nesta altura já a Internet e os blogues de
cinema marcam uma importante viragem para o papel do cidadão-comum, pois
permitem que este passe de apenas leitor passivo para autor de um espaço com
publicações:
“Diferentemente
dos outros meios de comunicação, nos quais os usuários assumem uma posição
passiva, que pode ser percebida até mesmo pelo nome como são chamados –
ouvintes, leitores ou telespectadores, na rede não existe um público unicamente
receptor. Não só por poder comentar o que lê, escuta ou vê, mas por poder
produzir seus próprios conteúdos, o público dos novos meios de comunicação
assume uma postura diversa da que era assumida até então” (Passos, 2009: 2).
3.2.1.
“Os loucos anos
20 da blogosfera de cinema”
De acordo com o testemunho de vários bloggers, recolhido a partir das entrevistas e da realização de uma
reunião do grupo Bloggers Cinéfilos do
Facebook, em pouco mais de cinco anos a blogosfera de cinema atingiu um
crescimento admirável. Começou a ser difícil distinguir tantos espaços, as blogrolls ficaram extensas e quase todos
os dias aparecia um novo blogue, criando-se relações sociais entre eles. “Essa
interação mútua sugere a construção de relações sociais, formando comunidades
virtuais” (Mauad, 2009:3).
De 2003 a 2007, a blogosfera
de cinema tornou-se uma comunidade, repleta de novas tendências e grandes
mudanças. Como reitera André Marques, autor do Blockbusters, “havia muitas
iniciativas intra-blogues, parcerias, novas ideias; era uma espécie de loucos
anos 20 da blogosfera do cinema”. Nasciam e morriam à velocidade da luz
novos espaços. As razões de quem criava um blogue de cinema eram muitas, mas
com um ponto em comum: o amor ao cinema e a vontade de partilhar com o mundo os
seus pensamentos. Como exemplo temos os testemunhos de alguns bloggers. Samuel Andrade, autor do
blogue Keyzer Soze’s Place, nascido
em 2004, explica que o seu espaço foi criado “pelo puro prazer de escrever e reflectir sobre cinema.” Já Nuno
Reis, autor do Antestreia, blogue criado
em 2003, conta que “o espaço foi criado
para dois amigos falarem do que gostavam: o cinema”.
Ainda através dos dados recolhidos juntos dos autores dos blogues, pode
concluir-se, que a blogosfera de cinema atingiu o seu auge entre 2008 e 2010. Segundo
os próprios utilizadores, novas tendências foram surgindo - quer a nível de layouts de blogues, quer de formato de
artigos ou mesmo pretensões dos próprios bloggers.
Edgar Ascenção, autor do blogue Brain-Mixer,
fala dessa vontade de mudança: “Queria
exprimir o que sentia no momento sobre o cinema e principalmente distanciar-me
de todos os outros blogues da altura quando criei o meu”.
Aos poucos a comunidade foi criando o seu próprio código de conduta e
regras. Em 2010, graças à criação de um grupo no Facebook pela mão de Samuel Andrade - Grupo de Bloggers Cinéfilos - foi possível reforçar a interacção
entre os bloggers. Todos os dias eram
lançados dezenas de tópicos de discussão, adicionados novos membros e criadas
iniciativas conjuntas, como é o exemplo da Tertúlia
de Cinema, onde cada blogger escolhia
filmes para um ciclo temático mensal. Actualmente, o grupo ainda existe. Conta
com mais de 100 membros, que obedecem a um conjunto de regras: ter um blogue ou
ter um papel activo na área do cinema são algumas das condições necessárias
para pertencer ao grupo. De acordo com o blogger
Samuel Andrade, “a plataforma foi criada
com o propósito de reforçar a troca de ideias sobre cinema e tentar juntar
todos os bloggers nacionais de cinema num só lugar”. Algo que vai de
encontro às novas tendências de migração dos media e blogues para as redes sociais.
Em menos de uma década, a blogosfera de cinema conseguiu alcançar uma
força notável que a maioria das revistas de cinema portuguesas não conquistou e,
por isso, hoje apenas há uma em papel: a Empire.
Ao contrário das publicações especializadas tradicionais (Mesquita, 2004:47), a
blogosfera é constantemente actualizada, mais próxima dos leitores, reúne
informação de qualidade escrita voluntariamente, juntando numa mesma comunidade
os cinéfilos do cinema de culto com os do cinema mais comercial. De acordo com a
entrevista efectuada ao docente da disciplina de Cibercultura, Sergio Denicoli,
existem várias razões que explicam a “força” da blogosfera: “Hoje quem confere credibilidade a um
veículo é o próprio leitor, de acordo com as suas convicções e experiências. Se
ele se identifica com um determinado blogue, se confia em quem está a escrever
naquele espaço, ele automaticamente passa a acreditar que o que está ali publicado
é credível. E, ao mesmo tempo em que isso acontece, ocorre também o facto de
que muitos jornais começam a deixar de ser credíveis aos olhos de alguns
leitores que simplesmente não se identificam com a linha editorial, ou não
acreditam que a notícia publicada tenha sido bem apurada. Não há mais espaço
para apenas uma verdade mediada pelos veículos de massa. Há muitas verdades e o
utilizador da Internet vai escolher como fonte aquela que lhe parece mais
adequada, dentro dos seus critérios particulares”.
Ao fim de nove anos de existência, os tempos mudaram e a blogosfera
de cinema prosperou. Para isso contribuíram também as redes sociais e o
surgimento de um elevado número de blogues de qualidade que chamou a atenção. A
ideia primordial de criar um destes espaços apenas por paixão ao cinema, para
dizer algo ao mundo e partilhar conhecimentos, começou a ser um motivo
secundário. Os bloggers mais antigos
falam da “perda da inocência” que se tinha nos primeiros anos da blogosfera de
cinema. Explicam que os novos bloggers
já têm noção das potencialidades, visibilidade e poder dos blogues e usufruem
disso para a autopromoção. Em conformidade com esta visão pessimista do estado
da cineblogosfera, temos também a opinião de alguns especialistas da área dos
novos media, como é o caso de Paulo
Querido (2008). Como podemos verificar, nos seus primórdios, os blogues, de um
modo geral e universal, eram ligados a características como a de ser um espaço
intimista, não profissional, crítico e como uma alternativa aos media tradicionais. O teórico de novos
media critica também o facto de que estes perderam a sua peculiaridade,
estagnaram, perderam o ritmo, começaram a aproximar-se do formato dos media e a serem indistintos dos mesmos (Querido,
2008). “Mas aflorei ainda aspectos que contribuem para
tirar impacto aos blogues (e energia aos autores e leitores). O surto das redes
sociais e da participação dos indivíduos nelas, bem como as alternativas
editoriais como o microblogging, que é onde agora está a acção”,
acrescenta Paulo Querido (2008: s/p). E ainda o teórico Manuel Pinto (2008: s/p),
que escreve no seu blogue Jornalismo e
Comunicação o seguinte: “De facto, têm sido vários, nos
últimos tempos, os sinais de um ‘farewell’, desde que Paul Boutin, escreveu na
Wired, no mês passado, “Twitter, Flickr, Facebook Make Blogs Look So
2004“. A partir daí gerou-se uma onda semelhante à que por duas
vezes se levantou no ano passado, sempre a anunciar “the death of blogs”.”.
No entanto, nem tudo é negativo. Também é admitido no texto do investigador
Manuel Pinto (2008) que apesar de muitos blogues terem ficado pelo caminho, outros
têm surgido e já se fala da sua profissionalização:
“Muitos ficam e continuarão a ficar pelo
caminho, mas outros surgem e, das sucessivas colheitas, as marcas e as castas
vão-se apurando, como no vinho. Enquanto já há quem pergunte “Quem matou a
blogosfera“, desejando, curiosamente através de um blogue, que ela descanse em
paz, também existe quem descubra nela o seu modo de vida e quem
se dedique a estudá-la “(Pinto, 2008: s/p).
Em concordância com estas ideias, também o colunista do Correio da Manhã, Paulo Pinto
Mascarenhas (2008: s/p), defende que nem tudo está perdido: ”Uns fecham, há os
que estagnam, outros abrem, mas quase nada se perde e tudo se pode transformar.
As notícias da morte da blogosfera são manifestamente exageradas”.
[1]
IV
Encontro de Bloggers, organizado pela
Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, de 14 a 15 de Novembro de 2008.
(CONTINUA PARA A SEMANA)
Quem é que costuma abrir o jornal para contar as estrelas e ler o Jorge Mourinha?
ResponderEliminarhttp://ocriticodoscriticos.blogspot.pt/
Estamos a chegar.
O Crítico dos Críticos
Olá Críticos dos Críticos, gostava de saber qual o objectivo da vossa intervenção, pois este espaço é para discutir cinema e não para promover/publicitar entidades. Peço desculpa e obrigada pela visita de qualquer das formas, mas agradecia que fizessem uma intervenção a sério relativa ao post, caso contrário eliminarei o comentário.Obrigada.
ResponderEliminarContinuo a ler com muito interesse. Foi muito refrescante perceber a evolução da blogosfera nacional em termos de cinema. Eu que comecei há muito pouco tempo, ainda estou naquela idade de inocência referida no artigo, no entanto com melhor conhecimento do panorama nacional, que então se tinha. Se um crítica posso fazer ao que se passa actualmente, é a de 90% dos blogues se parecerem uns com os outros em termos de conceito e conteúdo. Penso que é necessário tornar a explorar novos caminhos e inovar tematicamente. A força da blogosfera é o não ter os limites que a imprensa escrita terá, e parece-me que a maioria dos blogues tenta simplesmente ser edições online de revistas. É uma opinião.
ResponderEliminarCumprimentos.
Venho salientar nos comentários que tem sido uma leitura que tenho apreciado. Ainda por cima a descrição desde os primórdios traz-me recordação, tenho seguido com atenção ao fenómeno da blogoesfera e como este se tem evoluído e continua a evoluir.
ResponderEliminarAguardo as continuações ;)