Crítica INTERSTELLAR, de Christopher Nolan
Mas Interstellar não é terrível. É antes controverso e pouco trabalhado. Temos visualmente um universo fascinante, incrível e ao mesmo tempo desolador. A estética funciona muito bem, como não acontece há anos, talvez desde o 2001: Odisseia no Espaço, num filme de sci-fi. A história é que já não, tendo apenas na segunda parte momentos bem conseguidos e de uma intensidade indiscutível, todavia um bom filme vale pelo todo e não por certos momentos.
Na primeira parte, não consegui deixar de rever as anteriores personagens de Matthew McConaughey, creio que a pronúncia serrada não conseguiu descolocar-se da de Buyers Dallas Club ou até do próprio ator – que mesmo não tendo atualmente essa pronúncia tão forte, se tem servido dela para criar um certo impacto no público -, o que é uma pena porque temos em mãos um ator talentoso mas cujo desenvolvimento de uma nova persona foi prejudicado; aquela que bem poderia ser a “the one” na sua carreira. Anne Hathaway, para além de ter estragado o TDKR, vem agora afundar mais um filme. Não que a sua personagem seja muito importante, mas nos momentos-chave em que aparece o seu efeito fica muito aquém, o que é resultado de misturar atores de grande calibre com performistas que foram um dia elevadas pelo público mas que não conseguiram acompanhar esse hype. Jessica Chastain, também uma interessante atriz, pareceu ter-se ficado pela sua personagem em Zero Dark Thirty, esmorecendo em ecrã e não mostrando grande "força". Ellen Burstyn foi a personagem que causou mais impacto no público, com uma cena arrebatadora, mas sentida, mesmo por escassos minutos...
A ausência de sentimento genuíno e o seu forçar foram os inimigos das personagens e consequentemente do desenrolar da história. A abordagem do “que será, será” não me pareceu digna, nem a fundamentação de algo superior por vezes agarrada como se fizessem parte da Cientologia. Mais pontos negativos passam pelo desenvolvimento quase inexistente das restantes personagens que nos geram algum desapego, como senão nos importássemos com os seus destinos. É o caso do filho e do sogro, bem como das restantes personagens do espaço. Apenas Cooper e Murph têm um lugar ao sol, que se torna mais caloroso na segunda parte, conseguindo finalmente alcançar uma verdadeira relação pai-filha; emocionante e perturbador dado ao desfasamento entre a realidade das duas personagens, essa devido a contornos da história.
Outra aspeto pouco cuidado foram as inúmeras vezes em que as personagens chegam a conclusões de uma forma altamente aleatória e pouco possível de serem acreditadas como espontâneas e reais. Seja por uma menina de 10 anos ou por um adulto de 40, a maioria parte das vezes em que algum chega a uma resposta não há grande lógica para a darem como certa, nem para se terem lembrado dela; e aqui a culpa penso que não poderá ser da gravidade.
A linhagem de Memento, The Prestige e Inception é seguida neste blockbuster interestelar: temos twists, temos personagens com dilemas pessoais, temos uma busca, temos mundos/realidades paralelas, suspense. Temos desilusão, muitas tentativas de fazer exercitar o sistema límbico do público, uma revelação/solução e um desfecho que mostra o lado mais frio e contraproducente da vida humana. Na obra de Nolan, o Homem não é o herói. Ao contrário da mensagem que possa passar de uma forma mais direta, o ser humano é o vilão. É aquele que destrói, é aquele que parte em busca da auto-realização, baseado em sentimentos de grandeza e concretização de sonhos. O Homem é aquele que nos abandona, mas assim que percebe que é tudo mesmo real, que lhe vai passar ao lado a vida, a atitude é outra, bem como a vontade de concluir esse “sonho” que se torna num pesadelo. Esta observação remete para o desapego inicial constatado entre as personagens: temos um pai mais preocupado com as estrelas do que com a sobrevivência da sua família, no entanto mal vê uma oportunidade de chegar até às primeiras usa como “desculpa”, pressuposto, o ter de salvar os seus entes queridos; mas não terá partido para se tentar salvar a ele mesmo? Talvez por isso repense a sua situação e chegue mesmo a não querer partir, todavia o cérebro humano é excelente em atribuir significados heróicos às suas decisões e é o que acontece no final… É importante ter presente que Nolan nunca dá a entender a distância entre o que é real e o que não é, sendo que no fim possa o personagem principal mesmo ter visto as suas crianças, não porque esteve com elas, mas, antes, porque procurou estar antes de deixar este mundo; como é também mencionado durante a narrativa.
Já pelo ponto de vista mais fiel ao que nos é mostrado em Interstellar, a história apresenta-se como avassaladora, indo do 8 para o 80, isto é do bom ao mau em milésimos de segundos. A confusão reina no fim do filme. Não uma confusão "boa" do tipo Memento, mas uma confusão mais cínica da perceção que devemos ter do mundo, um pouco, num sentido mais profundo, ateísta. E toda uma jornada é percorrida para ser justificada por um bem transversal, por uma força que vai além da vontade de viver a própria vida, que é prepotente e frustrante. Observemos e pensemos na obra de Terrence Malick ,The Tree of Life, ou na de Darren Aronofsky, The Fountain, às mesmas adicionemos o magistral e indiscutivelmente "inspirador" de Stanley Kubrick, 2001: A Space Odyssey, e, por fim, uma pitada do sci-fi de M. Night Shyamalan Signs mais alguma essência de The Others, não esquecendo, de por mais ínfima que seja,algo The Armageddon, et voilá: Interstellar; há sempre algo muito familiar neste filme de Nolan, que não nos deixa indiferentes a sentir um certo trago azedo naquilo que podia ser uma boa refeição.
Já é típica a narrativa intrincada e complexa que o realizador de Insomnia tenta sempre aliar aos seus filmes. E também o que já começa a ser habitual são as várias lacunas ou momentos mal explicados durante a história. De tantas voltas que dá, que uma montanha russa ficaria enjoada, mas talvez seja apenas a Lei de Murphy a atuar…
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