II Parte - Estudo de Caso: Blogosfera de Cinema

17:47:00 Unknown 4 Comments


3.2.      Apresentação de Resultados
3.2.1. A importância da blogosfera de cinema
Para este estudo de caso, em particular, importa estudar a blogosfera de cinema. Uma comunidade que começou sem caras, quase anónima, mas que em poucos anos cresceu, mudou e se uniu, como explicam aqueles que a integram, os cinebloggers. A sua crescente profissionalização veio converter estes espaços inicialmente pessoais em espaços mais profissionais, tal como aconteceu com alguns blogues dedicados a outras temáticas. “A literatura, o cinema, o teatro, a música e as artes em geral, têm encontrado na blogosfera importantes espaços de divulgação e de crítica” (Rodrigues, 2006:126).
Na blogosfera de cinema, depois da sua maturação, os bloggers começaram a agir como uma comunidade: passaram a interagir entre si, reunindo-se em festivais, visionamentos de filmes e numa cerimónia oficial para homenagear os seus pares. Têm conseguido ainda angariar mais leitores do que os media impressos especializados na sétima arte, que se têm extinguido nos últimos anos. Com estas mudanças, ao contrário do que tende a acontecer na blogosfera generalista, os blogues de cinema passaram de complementos aos media tradicionais para alternativas aos mesmos. Desta forma, torna-se crucial perceber exactamente qual o papel dos cineblogues nacionais e como eles evoluíram desde o seu surgimento até a actualidade. Como veremos ao longo do estudo, estes têm um papel cada vez mais reconhecido pelos seus pares e entidades oficiais da área do cinema – como produtoras, directores de festivais e distribuidoras. O que é um fenómeno intrínseco ao assunto que trata - o cinema -, visto não se evidenciar o mesmo noutras esferas da blogosfera, pelo menos com a mesma intensidade. Por isso, nas páginas que se seguem serão apresentados e discutidos os resultados desta investigação com o objectivo de chegar a algumas conclusões sobre o assunto em estudo.

3.2.2.  O despertar da blogosfera de cinema
Foi em 2003, que a blogosfera de cinema deu os seus primeiros passos. De acordo com os relatos dos próprios bloggers, por ser um fenómeno ainda exíguo, não era comum estes conhecerem-se pessoalmente. Quem o recorda é JB Martins, autor do Cineblog, o blogger de cinema português mais antigo ainda em actividade, desde 2003: “Éramos três. O Cineblog, o Antestreia [do Nuno Reis] e o Arquivos de um Cinéfilo [do Vasco Martins]. E pouco tempo depois surgiu o Hollywood [do Miguel Pereira] e o CinemaXunga [do Pedro Cinemaxunga - pseudónimo].”
Ao mesmo tempo que surgiam novos blogues, pouco a pouco, os bloggers foram-se conhecendo, adicionando na blogroll – lista de links de referência presente em cada blogue – e interagindo. De desconhecidos passaram a companheiros, e rapidamente a blogosfera da especialidade foi crescendo e unindo-se, de acordo com os relatos dos vários bloggers entrevistados.
Em 2004, dois bloggers, JB Martins e Miguel Lourenço, tiveram a ideia de criar um projecto pioneiro, que daria um tom mais sério ao trabalho efectuado pela comunidade, uma espécie de academia – o ABCine. Mas esta não teve os resultados esperados. “Na altura a vida dos blogues era efémera e a identidade dos seus autores ainda era pouco conhecida”, explica o autor do Cineblog.
A par da academia, muitas foram as parcerias intrabloggers efectuadas nesses primeiros anos. O dinamismo tomou conta deste fenómeno nos seus primórdios. Como defendem muitos especialistas de novos media, nos primeiros anos de 2000, os blogues atingiram uma fasquia de adesão e desenvolvimento admiráveis. Numa apresentação preparada para o IV Encontro de bloggers[1], o jornalista especializado em novos media, Paulo Querido, fala exactamente desse fenómeno de crescimento e de mudança pelo qual a blogosfera passou (Querido, 2008). Este destaca o período que vai de 2003 a 2007 como uma altura em que a blogosfera se caracterizava por uma grande “energia, inovação, entusiasmo, espírito pioneiro, sentido de comunidade e interferência na agenda dos media(Querido, 2008:18). Verificamos já aqui um dos primeiros sinais que indicam a aproximação do papel dos blogues ao dos media, mesmo que nesta altura os blogues de cinema ainda não fossem vistos de um ponto de vista profissional, como acontece actualmente. Contudo, nesta altura já a Internet e os blogues de cinema marcam uma importante viragem para o papel do cidadão-comum, pois permitem que este passe de apenas leitor passivo para autor de um espaço com publicações:
“Diferentemente dos outros meios de comunicação, nos quais os usuários assumem uma posição passiva, que pode ser percebida até mesmo pelo nome como são chamados – ouvintes, leitores ou telespectadores, na rede não existe um público unicamente receptor. Não só por poder comentar o que lê, escuta ou vê, mas por poder produzir seus próprios conteúdos, o público dos novos meios de comunicação assume uma postura diversa da que era assumida até então” (Passos, 2009: 2).

3.2.1.   “Os loucos anos 20 da blogosfera de cinema”
De acordo com o testemunho de vários bloggers, recolhido a partir das entrevistas e da realização de uma reunião do grupo Bloggers Cinéfilos do Facebook, em pouco mais de cinco anos a blogosfera de cinema atingiu um crescimento admirável. Começou a ser difícil distinguir tantos espaços, as blogrolls ficaram extensas e quase todos os dias aparecia um novo blogue, criando-se relações sociais entre eles. “Essa interação mútua sugere a construção de relações sociais, formando comunidades virtuais” (Mauad, 2009:3).
 De 2003 a 2007, a blogosfera de cinema tornou-se uma comunidade, repleta de novas tendências e grandes mudanças. Como reitera André Marques, autor do Blockbusters, “havia muitas iniciativas intra-blogues, parcerias, novas ideias; era uma espécie de loucos anos 20 da blogosfera do cinema”. Nasciam e morriam à velocidade da luz novos espaços. As razões de quem criava um blogue de cinema eram muitas, mas com um ponto em comum: o amor ao cinema e a vontade de partilhar com o mundo os seus pensamentos. Como exemplo temos os testemunhos de alguns bloggers. Samuel Andrade, autor do blogue Keyzer Soze’s Place, nascido em 2004, explica que o seu espaço foi criado “pelo puro prazer de escrever e reflectir sobre cinema.” Já Nuno Reis, autor do Antestreia, blogue criado em 2003, conta que “o espaço foi criado para dois amigos falarem do que gostavam: o cinema”.
Ainda através dos dados recolhidos juntos dos autores dos blogues, pode concluir-se, que a blogosfera de cinema atingiu o seu auge entre 2008 e 2010. Segundo os próprios utilizadores, novas tendências foram surgindo - quer a nível de layouts de blogues, quer de formato de artigos ou mesmo pretensões dos próprios bloggers. Edgar Ascenção, autor do blogue Brain-Mixer, fala dessa vontade de mudança: “Queria exprimir o que sentia no momento sobre o cinema e principalmente distanciar-me de todos os outros blogues da altura quando criei o meu”.
Aos poucos a comunidade foi criando o seu próprio código de conduta e regras. Em 2010, graças à criação de um grupo no Facebook pela mão de Samuel Andrade - Grupo de Bloggers Cinéfilos - foi possível reforçar a interacção entre os bloggers. Todos os dias eram lançados dezenas de tópicos de discussão, adicionados novos membros e criadas iniciativas conjuntas, como é o exemplo da Tertúlia de Cinema, onde cada blogger escolhia filmes para um ciclo temático mensal. Actualmente, o grupo ainda existe. Conta com mais de 100 membros, que obedecem a um conjunto de regras: ter um blogue ou ter um papel activo na área do cinema são algumas das condições necessárias para pertencer ao grupo. De acordo com o blogger Samuel Andrade, “a plataforma foi criada com o propósito de reforçar a troca de ideias sobre cinema e tentar juntar todos os bloggers nacionais de cinema num só lugar”. Algo que vai de encontro às novas tendências de migração dos media e blogues para as redes sociais.
Em menos de uma década, a blogosfera de cinema conseguiu alcançar uma força notável que a maioria das revistas de cinema portuguesas não conquistou e, por isso, hoje apenas há uma em papel: a Empire. Ao contrário das publicações especializadas tradicionais (Mesquita, 2004:47), a blogosfera é constantemente actualizada, mais próxima dos leitores, reúne informação de qualidade escrita voluntariamente, juntando numa mesma comunidade os cinéfilos do cinema de culto com os do cinema mais comercial. De acordo com a entrevista efectuada ao docente da disciplina de Cibercultura, Sergio Denicoli, existem várias razões que explicam a “força” da blogosfera: “Hoje quem confere credibilidade a um veículo é o próprio leitor, de acordo com as suas convicções e experiências. Se ele se identifica com um determinado blogue, se confia em quem está a escrever naquele espaço, ele automaticamente passa a acreditar que o que está ali publicado é credível. E, ao mesmo tempo em que isso acontece, ocorre também o facto de que muitos jornais começam a deixar de ser credíveis aos olhos de alguns leitores que simplesmente não se identificam com a linha editorial, ou não acreditam que a notícia publicada tenha sido bem apurada. Não há mais espaço para apenas uma verdade mediada pelos veículos de massa. Há muitas verdades e o utilizador da Internet vai escolher como fonte aquela que lhe parece mais adequada, dentro dos seus critérios particulares”.
Ao fim de nove anos de existência, os tempos mudaram e a blogosfera de cinema prosperou. Para isso contribuíram também as redes sociais e o surgimento de um elevado número de blogues de qualidade que chamou a atenção. A ideia primordial de criar um destes espaços apenas por paixão ao cinema, para dizer algo ao mundo e partilhar conhecimentos, começou a ser um motivo secundário. Os bloggers mais antigos falam da “perda da inocência” que se tinha nos primeiros anos da blogosfera de cinema. Explicam que os novos bloggers já têm noção das potencialidades, visibilidade e poder dos blogues e usufruem disso para a autopromoção. Em conformidade com esta visão pessimista do estado da cineblogosfera, temos também a opinião de alguns especialistas da área dos novos media, como é o caso de Paulo Querido (2008). Como podemos verificar, nos seus primórdios, os blogues, de um modo geral e universal, eram ligados a características como a de ser um espaço intimista, não profissional, crítico e como uma alternativa aos media tradicionais. O teórico de novos media critica também o facto de que estes perderam a sua peculiaridade, estagnaram, perderam o ritmo, começaram a aproximar-se do formato dos media e a serem indistintos dos mesmos (Querido, 2008). “Mas aflorei ainda aspectos que contribuem para tirar impacto aos blogues (e energia aos autores e leitores). O surto das redes sociais e da participação dos indivíduos nelas, bem como as alternativas editoriais como o microblogging, que é onde agora está a acção”, acrescenta Paulo Querido (2008: s/p). E ainda o teórico Manuel Pinto (2008: s/p), que escreve no seu blogue Jornalismo e Comunicação o seguinte: “De facto, têm sido vários, nos últimos tempos, os sinais de um ‘farewell’, desde que Paul Boutin, escreveu na Wired,  no mês passado, “Twitter, Flickr, Facebook Make Blogs Look So 2004“. A partir daí gerou-se uma onda semelhante à que por duas vezes se levantou no ano passado, sempre a anunciar “the death of blogs”.”.
No entanto, nem tudo é negativo. Também é admitido no texto do investigador Manuel Pinto (2008) que apesar de muitos blogues terem ficado pelo caminho, outros têm surgido e já se fala da sua profissionalização:
Muitos ficam e continuarão a ficar pelo caminho, mas outros surgem e, das sucessivas colheitas, as marcas e as castas vão-se apurando, como no vinho. Enquanto já há quem pergunte “Quem matou a blogosfera“, desejando, curiosamente através de um blogue, que ela descanse em paz, também existe quem descubra nela o seu modo de vida e quem se dedique a estudá-la “(Pinto, 2008: s/p).
Em concordância com estas ideias, também o colunista do Correio da Manhã, Paulo Pinto Mascarenhas (2008: s/p), defende que nem tudo está perdido: ”Uns fecham, há os que estagnam, outros abrem, mas quase nada se perde e tudo se pode transformar. As notícias da morte da blogosfera são manifestamente exageradas”.



[1] IV Encontro de Bloggers, organizado pela Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, de 14 a 15 de Novembro de 2008.


(CONTINUA PARA A SEMANA)

4 comentários:

  1. Quem é que costuma abrir o jornal para contar as estrelas e ler o Jorge Mourinha?

    http://ocriticodoscriticos.blogspot.pt/

    Estamos a chegar.

    O Crítico dos Críticos

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  2. Olá Críticos dos Críticos, gostava de saber qual o objectivo da vossa intervenção, pois este espaço é para discutir cinema e não para promover/publicitar entidades. Peço desculpa e obrigada pela visita de qualquer das formas, mas agradecia que fizessem uma intervenção a sério relativa ao post, caso contrário eliminarei o comentário.Obrigada.

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  3. Continuo a ler com muito interesse. Foi muito refrescante perceber a evolução da blogosfera nacional em termos de cinema. Eu que comecei há muito pouco tempo, ainda estou naquela idade de inocência referida no artigo, no entanto com melhor conhecimento do panorama nacional, que então se tinha. Se um crítica posso fazer ao que se passa actualmente, é a de 90% dos blogues se parecerem uns com os outros em termos de conceito e conteúdo. Penso que é necessário tornar a explorar novos caminhos e inovar tematicamente. A força da blogosfera é o não ter os limites que a imprensa escrita terá, e parece-me que a maioria dos blogues tenta simplesmente ser edições online de revistas. É uma opinião.

    Cumprimentos.

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  4. Venho salientar nos comentários que tem sido uma leitura que tenho apreciado. Ainda por cima a descrição desde os primórdios traz-me recordação, tenho seguido com atenção ao fenómeno da blogoesfera e como este se tem evoluído e continua a evoluir.

    Aguardo as continuações ;)

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May the force be with you!